MUITO ALÉM DO JARDIM
(Being There)
USA
- 1979
Direção: Hal Ashby
Intrigante e bom demais, mas apenas para os atentos
O filme, baseado no livro
O Vidiota de
Jerzy Kosinski, tem uma história peculiar. O escritor, tempos depois de lançar o livro, recebeu um telegrama assinado pelo personagem principal do seu livro,
Chance (Peter Sellers). Nele, havia um telefone, para o qual ligou imediatamente. Quem atendeu foi o ator Sellers, que tinha acabado de ler o livro e, de tanto que gostou, encarnou o personagem. O próprio Kosinski acabou adaptando o livro para o roteiro.
É um enredo de pouca ação física, mas em que o psicológico dos personagens está sempre gerando várias perspectivas na cabeça do expectador. Confesso que os primeiros 15 min do filme me pareceram chatos, mas depois vão ser de grande importância para o fechamento do filme. Daí a necessidade extra de estar atento a ele.
Peter Sellers, que faz o papel principal, Chance, definitivamente entrou pra minha lista de atores preferidos. Sua performance valeu uma indicação ao
Oscar de Melhor ator, além de ganhar o
Globo de Ouro dessa categoria. Chance é um homem na faixa dos 60 anos que passou sua vida inteira sem sair de casa, cuidando apenas do jardim e conhecendo o mundo através da TV. Ele foi criado pelo dono da casa, conhecido apenas como Old Man. Não sabe ler nem escrever e tem o intelecto “cabeça de pudim” como definiu sua ex-empregada. Após a morte do seu tutor, acaba sendo despejado da casa e acidentalmente vai parar na mansão de um ricaço velho e doente,
Benjamim Rand (Melvyn Douglas). Douglas recebeu o Oscar e o Globo Ouro de Melhor ator coadjuvante pela sua memorável atuação.
O que acontece é que Chance, por usar trajes elegantes e a falar pouco devido ao intelecto reduzido, dá a entender que é um estranho intelectual. Quando questionado, suas respostas, quando respondia algo, coincidem de forma metafórica com as perguntas, dando a entender que era refinado e inteligente. Assim, acaba entrando para um círculo de poder em que acaba influenciando desde o pensamento econômico até atitudes do presidente dos EUA. São esses absurdos que tornam o filme tão provocativo e intrigante, principalmente depois que você vê o final da trama. Acabei assistindo novamente ao filme, pois acho que ele pode ser visto de outra perspectiva, em que o azarão tem sua redenção, algo como no filme O Cubo. Aliás, a trama dá margem a inúmeras interpretações.
A película é ao mesmo tempo um drama e uma comédia. É uma experiência estranha que pode gerar sentimentos contraditórios ao mesmo tempo. Há uma cena em que Rand, sabendo que estava para morrer, chama Chance para despedir-se. O velho Rand, marido de
Eve (Shirley MacLaine), pede para que Chance cuide dela (watch over her) após sua morte, pois confiava nele. É uma cena emocionante, pois antes de morrer, confia sua jovem esposa para outro homem num ato de difícil bondade. O problema, é que no dia anterior, Chance, perguntado por Eve sobre o que ele gostava (sexualmente, o que ele não entende) responde que gosta de assistir (watch) referindo-se à TV. Ela entende que Chance gostaria de vê-la se masturbando, o que acaba fazendo no chão, por ser tímida. Literalmente, Chance a assistiu de cima da cama, que também poderia ser descrito por “watch over her”, o mesmo que o moribundo Rand o havia pedido. Deve-se rir ou chorar numa hora dessas?
Durante os créditos do filme, aparece Sellers tentando fazer uma cena, que nem foi usada no filme, em que deveria falar coisas das mais esdrúxulas. Porém acaba se desconcentrando e rindo várias vezes. Também fiquei comovido ao saber que o ator Peter Sellers morreu no ano seguinte, 1980 e Melvyn Douglas em 1981, conforme os extras do DVD.